@palivre

quinta-feira, 14 de maio de 2009

divagando por aí #6


SAUDADE DAS CRIANÇAS QUE NÃO FOMOS
imagem de autor desconhecido



Não sei quando começou essa história, mas do jeito que a coisa vai, está cada vez mais difícil chegar a um final feliz. Tudo porque hoje todo e qualquer sinal de criancice é, lamentavelmente, condenado, combatido e erradicado desde cedo. Aquelas brincadeiras de papai-mamãe, de médico, de polícia e ladrão, já são um sinal da maturidade aflorando antes do tempo, um aviso de que quase todo rastro de infância se foi e estamos mais é querendo ser grandes. Quem não lembra da época que éramos chamados de crica por não fazermos o que os maiores faziam. E mal havíamos perdido o cheiro de xixi na calça.

É uma imposição incontrolável para a criança crescer prematuramente, ser obrigado a ser um que ainda não é. Não fosse uma imposição, talvez fosse até bom. Caso fosse um processo que adentramos espontaneamente, sem qualquer pressão ou influência exterior. Se por exemplo fosse como uma autêntica busca de evolução em plena e total relação com o papo de abandonar cristalizações, lapidar a pedra para chegar ao diamante, coisa e tal, tudo bem, mas não é e nem chega perto. O caso não passa de mais uma imposição, um reflexo barato e batido de uma sociedade doentia desde o berço, que desde os primeiros dentes perdidos começa a maldizer o ser criança em detrimento de um suposto adulto futuro adestrado exemplar. Ah, vai!

Tudo começa na escola da repetição, onde aprendem a passar um batom na boca, fumar um cigarro, dar um escarro ou coçar o ovo. Aprendem tão bem a reproduzir os adultos, que rapidamente avançam para novas disciplinas: exploração de coleguinhas, preconceito, humilhação, chacota & chicote. E assim o inconscientezinho coletivo e as estruturas sociais de controle e poder vão desestabilizando e modificando quem ainda não está dentro do esquema é-por-aqui-se-vai-é-assim-que-se-faz-e-vê-se-não-discuta, imposto ferrenhamente a todos os filhotinhos. E vale salientar: tudo realizado com o triste consentimento de seus ignorantes, coniventes e desatentos pais, que, para fins de franqueza e informação, já estão quase que totalmente perdidos e distantes da salvação.

Nesse envenenamento coletivo que a nossa criançada é submetida em ritmo maquinal e escala industrial, a maioria acaba em um desses dois destinos: ou apodrece, essa é a verdade e a palavra, estraga, degrada, vira lixo, matéria morta, sem antes sequer ter a chance de amadurecer, ou segue fadada e condenada a ser mais um pontinho na multidão de Marias, que vão com as outras, dia após dia, desde o primeiro até o último dia que rastejam na Terra.

Ser criança é um privilégio e uma experiência indispensável que pouca gente tem acesso. Quem não tem, das duas uma: ou dá a sorte de ser ajudado por uma alma bondosa, ou entra na fila quilométrica dos que estão esperando para tentar outra vez.


Nenhum comentário:

Postar um comentário


Creative Commons License