A MOSCA, A PLACA, O POMBO E A CARTA
imagens de steven burke

Uma mosca se protegendo da tempestade de areia na beira da praia. Uma placa caída próxima do lixo com os dizeres “ajude a manter o calçadão limpo”. Um pombo tentando bicar uma batata frita desperdiçada pelos homens que almoçam ao seu redor. Uma carta encontrada no meio da rua dizendo que “o seu objetivo é destruir totalmente os exércitos amarelos”.
Tudo é possível de acontecer a qualquer hora e em qualquer lugar. Não é preciso se deslocar para viajar o mundo todo. A história está toda aqui. Para chegar lá basta não ir tão longe. Então caminhando pela proximidade de seu próprio ser você assiste a um espetáculo eternamente inédito. E o crédito de tudo é inteiramente seu.
Um simples almoço pode mudar a sua vida. É que entre uma garfada e outra, entre um feijão e um arroz, de repente você se esquece de tudo e apenas contempla. Contempla os pombos que almoçam o resto do almoço que sobra no chão que sustenta a mesa dos homens. Contempla um pombo bicando intermitentemente uma batata frita.
O pombo quer comer a batata frita, mas a batata frita não cabe na sua boca. Ele bica, bica, bica e bica. A batata frita não se quebra, e por isso não entra na sua garganta. Ele continua, não descansa: bica e bica. Mesmo assim a batata frita continua inteira no chão. Ele olha a batata frita sem saber quantas vezes já bicou. E tenta mais uma vez. E outra. E mais outra. E mais uma. E outra mais. E nada: a batata frita continua inteira, cada vez mais longe do seu bico.
Enquanto o pombo vai atrás de outra coisa pra bicar, aparece um passarinho. O passarinho vê a batata frita abandonada e decide instantaneamente ir atrás dela. Já na primeira bicada, o passarinho segura a batata frita. Agora é a parte onde ele bate as asas e leva seu almoço pra comer com calma lá em cima do telhado.
A melhor coisa a fazer depois de almoçar é caminhar. De preferência no sol. A praia é sempre um bom destino. Caminhando pelo calçadão em direção à praia, sob o sol da tarde e o céu de um dia primaveril, você de repente se depara com uma placa. Uma placa caída no chão, largada perto de uma lata de lixo. Você olha pra placa e não acredita quando lê: “ajude a manter o calçadão limpo”.
A placa caída no chão, ao lado da lixeira, sujando a paisagem e poluindo a cidade, pede pra você fazer exatamente o contrário do que ela está fazendo. Você acha estranha a história. Uma placa caída nas proximidades do lixo, sujando o calçadão e pedindo para você ajudar a manter a limpeza? Tem algo muito estranho aí. Mas como você precisa seguir, pega a placa, joga dentro do lixo, ri de tudo aquilo

Mas se da próxima vez que você passa pelo mesmo lugar, acaba encontrando a placa fora do lixo, jogada novamente no chão, ilustrando a viagem como um elemento pró e antipoluição, vai dizer que não sente um nó na cabeça, uma contradição, perguntando desesperadamente quem é que tem razão?
A praia é mais perto do que parece. Basta um passos e mar. A abundância de água na praia é símbolo de fartura. Banho de mar cura de tudo. É um escudo contra todo tipo de arma. E entre um banho e outro, algumas brincadeiras na areia. E entre as brincadeiras na areia, um pouco mais de contemplação.
Contemplando os contornos da praia, as ondas do mar e a superfície da areia, você de repente vê uma mosca. A mosca completamente nua. Voando despudorosamente sob os raios de sol. Desfrutando de cada raio solar, aproveitando a brisa do litoral e fazendo jus aos seus poucos dias de vida. Cada segundo é sagrado. Eis que uma tempestade de areia se aproxima, trazida pela brisa que subitamente virou ventania.
A mosca, completamente nua, que até então apenas desfrutava da indescritível beleza daquela praia, tinha agora que se proteger. E logo fez por onde, encontrando abrigo atrás de um monte de areia, levantado entre alguns buracos na superfície.
Primeiramente alçou voos baixos, com enorme perícia e cuidado, através da ventania, buscando se alojar em morros menores, até alcançar a terra prometida. Uma vez no monte de areia, a mosca, se protegeu como pôde para evitar ser levada pelo vento. Não que ela não pudesse ir, para onde quer que o vento a levasse, mas naquele momento, tudo que ela mais queria era se manter firme no chão.
A mosca podia voar com o vento, mas quis se manter firme no chão. Talvez para definir sua própria direção, sem ser forçada a nada. A placa pedia para manter a cidade limpa, mas não queria ficar dentro do lixo. Talvez para lembrar que as lixeiras estão cheias, e a sujeira é a cidade. O pombo queria comer a batata frita, mas antes queria dividi-la ao meio. Talvez para compartilhar com o passarinho, que voou com ela inteira.
Quanto à carta, foi a primeira que encontrei. Antes do almoço, caminhando pela rua. Enquanto caminhava, e observava a região, uma figura colorida me chamou atenção. Talvez para deixar bem claro, de uma vez por todas, qual é o meu objetivo: destruir totalmente os exércitos amarelos. Mas só os exércitos. E nada mais.
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