@palivre

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

musinematura #11


RATATOUILLE : BRAD BIRD



Costumam dizer que no submundo vive a escória ou as piores espécies de indivíduo. E que do submundo não pode sair nada mais interessante do que formas de vida deprimentes e agonizantes. Uma lógica que a natureza não compartilha, afinal, em verdade, quem são os ratos para o planeta: os roedores ou os homens? Colocando os ratos em seu devido deslugar podem acontecer muitas coisas. Uma delas é aparecer filmes como Ratatouille.

Humanizando os ratos e revelando o lado mais animal dos humanos, a animação dirigida por Brad Bird, e co-dirigida por Jan Pinkava, é um bom exemplo e comprovação do porque certas histórias não podem se limitar as películas na hora de colocar certos lados da fantasia em ação. Afinal, ratos e ratos compartilhando a mesma cozinha com humanos não soaria tão doce como numa animação colorida se fossem filmados em estúdios de verdade. Talvez o paladar dos espectadores ficasse um pouco comprometido por demasiado realismo nas cenas do filme.

Trazer o submundo às mesas de jantar é um tema deveras delicado, e deve ser tratado com igual otimismo e força de imaginação. Os clichês humanos muito bem retratados, os detalhismos, o infinito leque de preferências pessoais, os estereótipos e arquétipos que existem de sobra em qualquer dita realidade dos homens. As mesas de jantar estão cheias de consumidores prestes a provar o prazer do submundo.

Um rato superhumanizado que prepara receitas e recebe comunicações telepáticas de um famoso chef de cozinha de um refinadíssimo restaurante que leva seu próprio nome, Gusteau, em Paris, capital da França, um dos centros gastronômicos do paladar mundial. August Gusteau, o mestre iluminado da culinária transcendental, apesar de não estar mais vivo, aparece para Remy, o rato protagonista, e ensina o caminho das pedras para fazer a água virar vinho da mais alta qualidade, e nunca, nunca mesmo, virar vinagre.

Superdotado como poucos, o rato Remy subverte o ideal roedor de sua sociedade, sustentada no roubo, no escárnio e na difamação do que é alheio, para adentrar o reino ainda mais competitivo do sistema humano. Ignorando a opinião pessimista dos seus parentes ratos, entre pais e irmãos, e relembrando sempre a célebre frase de Gusteau, o seu amado mestre guru, que afirma que “anyone can cook” (qualquer um pode cozinhar), ele sai do submundo e sobe até a mais alta liberdade para descobrir que está reinando no centro de Paris.

Surreal ao máximo, mas não tanto quanto as ações humanas no planeta Terra, Ratatouille é um filme que vem ensinar um pouquinho do poder do amor, e de como uma boa dose de experimentalismo pode ser útil pra deixar todo mundo feliz. Bem, talvez não todo mundo, mas apenas aqueles que quiserem se sentir assim. Como é o caso de Linguini, o ajudante de cozinha que logo é promovido de cargo graças à habilidade incomum na culinária, obtida por um acordo sobrenatural entre ele e o rato Remy.

A proposta de Remy é bem clara: “permita-me usar o teu corpo e te farei o melhor chef de Paris.” Como Linguini estava aberto pra sorte e não possuía tantos dotes além da grande humildade e respeito por seu companheiro rato, restava-lhe apenas aceitar a proposta e ver no que dava. A roleta estava girando e a sorte lançada para ambos, tanto Linguini, o aprendiz, quanto para Remi, o rato e discípulo direto do mestre Gusteau.

Um sucesso que fica à mercê da superação das limitações que uma parceria tão estranha e súbita possa gerar, e dos obstáculos que se erguem à medida que os talentos desabrocham. Um desses obstáculos é Skinner, um chef que assumiu o cargo de diretor do restaurante depois da partida de Gusteau, que vai tentar fazer de tudo para descobrir o segredinho de Linguini e Remy.

Outro, que talvez não deva se chamar de obstáculo, mas sim de estímulo, é Anton Ego, o crítico gastronômico mais temido de Paris. O papel de Ego no filme não é de um carrasco e déspota disposto a mandar todos os gastrônomos ao inferno, mas sim de um apreciador nato dos mais sutis prazeres que a arte gastronômica pode oferecer.

O filme ainda encontra espaço para um romance inusitado e desintencionado que brota espontaneamente entre as panelas do filme. Colette, a única mulher na disputada cozinha de Gusteau, onde predominam os homens, acaba despertando o paladar de Linguini, que acaba esquecendo de sua amizade gastronômica com Remy. Claro que depois todos se acertam e tudo volta a ficar bem. Não somente entre eles, mas antes de tudo com si mesmos.

É assim, entre ratos e humanos, alguns mais ratos, outros mais humanos, que se constrói a fantástica trama de Ratatouille. Entretenimento garantido, risadas também, e sobretudo vários aprendizados com o surrealismo e a sobrenaturalidade da imaginação humana.



"Comida boa é rara na mesa de um rato."


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