@palivre

domingo, 8 de agosto de 2010

musinematura #10


A DESOBEDIÊNCIA CIVIL : HENRY THOREAU



Geralmente a regra é seguida não pela validade de sua proposta mas pelo medo das punições por seu descumprimento. Esse pequeno sinal é uma grande mostra de sobre o que estão sustentados os paradigmas de praticamente todos os sistemas de controle e poder. Se não faz certas coisas, é punido. Se faz outras, é punido também.

Depende apenas de quem está fazendo, de quando está fazendo, de como está fazendo, e com quem ou com o que está fazendo. Dependendo disso é punido, independente disso é punido também. Num sistema falho todos acabam sendo punidos. Numa lei injusta todos são prejudicados. Uns tachados de culpados, outros de vítimas, mas ambos são punidos.

“Num governo que aprisiona qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar de um homem justo é também a prisão.” E ao se defrontar com uma realidade dessas, fica difícil encontrar uma solução. Na falta de uma, vale apelar à própria lei. Na ausência da lei maior, seguir a própria lei pode estar mais perto da salvação do que seguir a lei dos homens.

"Jamais haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que este venha a reconhecer o indivíduo como um poder mais alto e independente, do qual deriva todo seu próprio poder e autoridade, e o trate de maneira adequada." Em A Desobediência Civil, Henry Thoreau dispara verdade após verdade, anulando o esforço da máquina estatal de difundir o medo e encorajando o indivíduo a encontrar a força em suas próprias raízes.

“O melhor governo é o que menos governa.” Para Thoreau, a liberdade é a máxima existencial e sem ela não passamos de meros cadáveres ambulantes insinuando gestos mórbidos pela superfície de um grande cemitério. Precisamos antes de tudo sermos governados por nós mesmos, aceitarmos o desafio de darmos conta de nossos próprios passos.

“A minha origem é nobre demais para que eu seja propriedade de alguém. Para que eu seja o segundo no comando ou um útil serviçal ou instrumento de qualquer Estado soberano deste mundo.” A Desobediência Civil surgiu durante a curta estadia de Thoreau dentro de uma prisão americana, acusado por sonegação de impostos. Foi lá entre quatro paredes, entre grades e trancas, que ele escreveu esse ensaio revolucionário, que logo se tornaria uma das obras mais lidas pelos amantes da libertação. Entre esses, Ghandi, um de seus mais sinceros admiradores.

Thoreau não é um pensador qualquer, mas um profundo estudioso da religião e da sabedoria humana, exibindo conhecimento da obra de grandes mestres. Num trecho do livro ele cita Jesus, ao falar de dinheiro, lembrando que foi dito “dai a César o que é de Cesár, e a Deus o que é de Deus”, sem deixar claro o que era de um e o que era do outro, pelo simples fato de que ninguém desejava realmente sabê-lo.

Mas é usando as palavras de Confúcio, que Thoreau reforça as bases contraditórias em que está sustentado o Estado e reflete sobre as implicações da razão no desenrolar dos fatos. “Se um Estado for governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria serão objeto de vergonha; se um Estado não for governado pelos princípios da razão, a riqueza e as honrarias serão objeto de vergonha.”

Henry David Thoreau foi tratado por alguns como um dos idealizadores do anarquismo. Já para outros, ele está mais para um precursor de um novo sistema de governo, mais dinâmico, fluido e íntegro. “Por que então estará cada homem dotado de uma consciência? Na minha opinião devemos ser em primeiro lugar homens, e só então súditos. Não é desejável cultivar o respeito às leis no mesmo nível do respeito aos direitos. A única obrigação que tenho direito de assumir é fazer a qualquer momento aquilo que julgo certo.“

A Desobediência Civil é um ensaio que virou livro pela alta relevância do conteúdo e pelo incontestável poder de expressão de Thoreau, capaz de encontrar os melhores argumentos para salvar o indivíduo das armadilhas das estruturas opressivas. Rápido de ler, mas digno de ser minuciosamente estudado. É um livro certamente útil para aprender a se erguer do status miserável de rebanho sem afundar na medíocre autoridade do pastoreio.


Todo governo algum dia acaba por ser inconveniente

"O governo, no melhor dos casos, nada mais é do que um artifício conveniente; mas a maioria dos governos é por vezes uma inconveniência, e todo governo algum dia acaba por ser in­conveniente. As objeções que têm sido levantadas contra a existência de um exército permanente, numerosas e substantivas, e que merecem prevalecer, podem também, no fim das contas, servir para pro­testar contra um governo permanente. O exército permanente é apenas um braço do governo permanente. O próprio governo, que é simplesmente uma forma que o povo escolheu para executar a sua vontade, está igualmente sujeito a abusos e perversões antes mesmo que o povo possa agir através dele."


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