@palivre

terça-feira, 25 de maio de 2010

assim como se nada #24


DEPOIS QUE AS APARÊNCIAS ENGANAM
imagem de gracia louise



Da primeira vez nos encontramos para saber que estávamos enganados. Da segunda vez nos enganamos para saber que começamos a nos encontrar. A partir da terceira já sabíamos que só nos encontraríamos quando nos enganássemos. Daí pra frente as coisas foram mais fáceis. As cores mais vivas e coloridas. O tempo mais calmo, esperando por nós. O ar mais limpo a cada respirar. As flores ainda mais receptivas e misteriosas.

Quando as cortinas caem, aprendemos a ler o que está escrito nas entrelinhas. Percebemos na mesma maçã de sempre os sabores que não sabíamos perceber. Ou que não queríamos desejar. Nos surpreendemos com a música que nossos passos tocam enquanto ainda desacordados vamos beber o primeiro copo de água do dia. Paramos de chamar a chuva de estraga-prazeres e abrimos os braços para recebê-la como o prazer em estado líquido. Entendemos que o seis é só um nove que mora do outro lado do mesmo mundo. Fechamos os olhos para enxergar a verdadeira forma do invisível.

No momento que as máscaras quebram, cada pedaço de vida que seria despedaçado volta a ser colado. Todo desperdiçado que habitava um lugar desabitado se muda para um lugar aproveitável e novo. As roupas que se cansaram do nosso corpo assumem que preferem ficar nuas a se vestir como não querem. As janelas do quarto deixam de tratar o sol com o antigo desdém e a desnecessária antipatia, pois finalmente entendem que desde o nascimento seu destino é querer invadi-las. As estrelas abdicam de suas posições, deixando as constelações desfalcadas e o céu agradecido por ser um maravilhoso eterno brilho único.

As palavras crescem e ganham significados a cada tamanho. Os dias que partiam como horas não mais admitem que o relógio venha dar expediente. As mãos que acenam tchau não escondem o volte logo que gritam e ecoa. Os degraus fazem amizade com as pernas que abandonaram o cansaço pela vontade de subir em frente. Todas as coisas sob o manto de um rótulo se despem e dançam no baile da liberdade. Até o amor que temia se perder entra num labirinto onde a única saída é deixar ser como será.

Depois que as aparências enganam, descobrimos que é preciso desacreditar para a vida levantar vôo.


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