@palivre

terça-feira, 11 de maio de 2010

assim como se nada #23


SEMPRE EXIBE, SEMPRE SOBRA, SEMPRE TEM
imagem de julian pacaud



Pensava na dor como se fossem cócegas. Não é porque fazem rir que deixam de incomodar. No lugar do texto, um beijo. Ele sabia que aquilo era fazer as pazes. Mil ases, dez valetes, cem rainhas. Nenhum rei, todos os naipes. Canapés são servidos por garçons imaginários. Mas ninguém está com fome, então sobram nas bandejas.

Lantejoulas verdes e rosas. Rosas amarelas. Jogaram verde pra colher maduro. O fato é que não deu, apodreceu antes do broto. O arroto ainda ecoa em cada canto da sala de jantar. Foi como se não tivessem nos servido. Apontou o garfo e sorriu. O que ele viu é imperecível. Onde já se viu falar do que não se vê? A tevê continua desligada. Quando está assim, sempre exibe bons programas.

Correndo nu, com o corpo em chamas, o outro grita o nome de uma revolução que morreu. Ser ateu nunca saiu de moda. Sempre sobra tempo para dificultar a própria situação. Depois de ouvir não pela trigésima sétima vez, fingiu pela trigésima oitava que nada tinha ouvido. Pode parecer horrível, e às vezes absurdo, mas todo surdo sempre tem um bom motivo. É por isso que Deus não fala, apenas se faz palavras.

“Achavas que seria de outro modo?”, pergunta o anúncio de sabonete. “É o cacete!”, responde o título do jornal. Mudar da água pro vinho não é privilégio de ninguém. Quem sabe em outros tempos seria tudo de novo. Movo meu dedo em direção ao vazio. Algo me diz que tem algo ali.

Mal senti o vento passar e lá já vem ele de novo. O povo insiste em dizer que é culpa do governo. O inverno chegou antes da hora e pegou todos de surpresa. O frio é mais bonito quando se come quente. Daqui pra frente vou falar em milagres. Tudo começou por causa de um bem-te-vi. Não parei mais de vê-lo.


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