@palivre

terça-feira, 4 de maio de 2010

assim como se nada #22


A FRÁGIL NOÇÃO DE MAIS E DE MENOS
imagem de autor desconhecido



Pois é, com uma rede de frente pra praia seria mais conveniente. Mas como não estamos lá, o máximo que podemos fazer é deixar que esse clima tropicaliente, modo sombra e água de coco ativado, nos contagie a ponto de se fazer presente mesmo aqui. Um convite não para irmos à praia (apesar de ser uma idéia maravilhosa), mas para sermos a tal rede onde esse agora pode se deitar e relaxar.

Falar de mim é tudo que estou fazendo, e tenho feito, desde a primeira vez que te vi, ou escrevi. Nada que falei de você foi exatamente de você, mas, antes, de mim mesmo. Por mais que eu tenha usado sua pessoa para falar de mim. Até porque num sentido mais profundo, e não somente filosófico, você sou eu. E eu somos nós.

Gostaria muito de conseguir dizer algo "objetivo" sobre "mim". Mas quando tento me ver, me dizer, acabo vendo e dizendo você. Não como uma fixação ou uma imagem de adoração, mas como um simples retrato desse inusitado momento. (Estamos tratando do agora, desse exato instante, único e irreproduzível, onde existe margem de sobra para desintegrar fronteiras e reunir os seres.) Olho pra mim e te vejo. E o que vejo nisso? Será que isso pode te ajudar a me conhecer melhor, ou ter uma idéia a meu respeito? E será que essa idéia vai te dar segurança?

Eu vejo beleza, tranquilidade, carinho, admiração, virtudes e qualidades. Vejo uma fila de mistérios caminhando em círculo, subindo, e descendo, uma escada em espiral. Vejo comunicação, correspondência, reciprocidade, percepção. Vejo estradas a serem percorridas, fluxos a serem obedecidos e experiências a serem assimiladas. Vejo novidades inesperadas, idéias absurdas, imaginações, exageros. Vejo pessoas se deslocando sem saber onde estão e pessoas paradas que sabem muito bem aonde vão. Vejo magia, aventura, brilho e vazio. Vejo brincos, pulseiras e colares. Vejo as árvores contrastando com o concreto e as flores que reinam esplendorosas na cidade. Vejo a loucura dos homens que pensam estar sãos e a sanidade dos loucos que pensam estar homens.

Vejo o ritmo incessante em que vidas são consumidas, devoradas, pelas ambições e desejos de uma civilização ultrapassada. Vejo o sonho dos nossos avôs e bisavôs se tornando realidade somente agora, com séculos de atraso. E os nossos sonhos sendo deixados para um amanhã que nem sabemos se irá chegar. Vejo o medo de morrer, de nascer, vejo o medo de amar. Vejo o medo de se entregar ao amor, como também de aceitar. Vejo as dúvidas superarem as certezas (o que evidencia a efemeridade e comprova a insustentabilidade dessas supostas certezas). Vejo certezas não tão certas de si mesmas. E dúvidas tão duvidosas de tudo quanto seja. Vejo uma natureza imensa pela frente, pelos lados, por todos os lugares, aguardando um novo momento de ser reconhecida.

Vejo os dias passando, o tempo renovando o planeta, as famílias, as nações. Vejo a gente mudando, criando e destruindo histórias, memórias, alegrias, tristezas. Vejo o pensamento sendo tratado como uma verdade, não como um estado transitório e impermanente da mente. Vejo distância do presente, desconexão, paixões efêmeras em demasia. Vejo rivalidade por motivos banais. Vejo competição, discórdia, intrigas. Vejo brigas de todos os tipos, mas vejo também acordos e amizade.

Vejo tanta coisa. Mas que importa o que vejo? Será o que vejo um retrato de mim? Será eu aquilo que vejo? Ou aquilo que vejo é somente aquilo que vejo, e o que sou está além de uma visão? De uma idéia ao meu respeito? De um conceito? O que vai nos dar segurança? Um casamento, uma herança, um filho? Dinheiro, propriedades, posses?

E se no lugar de pensarmos no que nos dá segurança, pensássemos na origem da nossa insegurança? E se nos perguntássemos quais as raízes desse sentimento? Ou, mesmo, por que estamos buscando segurança? É porque nos falta? É porque acreditamos numa segurança duradoura e inquebrável? Então vamos atrás dessa segurança ou deixamos que ela venha atrás de nós (se vier, ótimo, se não, ótimo também)? E se ela já estiver aqui, e não for aquilo que a gente pensa, ou busca, e por isso mesmo nunca chegamos a reconhecê-la?

Não sei se isso vai te ajudar a me conhecer efetivamente. Mas talvez te ajudando a conhecer o que não sou, aos poucos você vá conhecendo um pouco mais do que sou. Certamente algo mais que palavras, visões, filosofias, confusões e contradições. Certamente mais que algo. Mais do que a frágil noção de mais e de menos.


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