@palivre

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

divagando por aí #10


ASSASSINATOS, CULPAS E PUNIÇÕES
imagem de autor desconhecido



Como se a matança coletiva do assassino daquela menina fosse extinguir pela raiz a árvore dos assassinatos. Ora, não seria, pois, tal matança ainda um fruto da mesma árvore? Agora comandada por mais galhos do que a outra. Se cada galho assassino que brotar criar junto com ele mais cem galhos, a árvore dos assassinatos está fadada a crescer com abundância e velocidade. E logo será a mais fértil da região, se espalhando pelas terras e ocupando novas áreas. Eis o vale de sangue e putrefação.

O cheiro de morte e as cores acinzentadas que se destacam nesse quadro não são privilégio de ninguém em especial. É justamente a falta de alguém, alguém ciente do que é, consciente do que somos, que pinta de horrores esse quadro.

Estamos ou não estamos preparados para dar a outra face? Contra o fogo usamos fogo? E ainda estamos nos tempos do contra? Quanto precisamos sofrer para reconhecer o sofrimento como fruto da nossa própria miséria? Quantos precisam morrer para por fim percebermos que quem está matando e morrendo somos nós mesmos? Quem está disposto a aceitar Hitler, a aceitar Jesus, Buda, Krishna, como simples manifestações da natureza exercendo as possibilidades do reino humano?

Eles não são nada além de nós. Eles sempre estiveram em nós. Eles surgiram e surgem de nós. O que somos afinal? Por que tantos revólveres engatilhados e pétalas de rosas oferecidas?

A natureza tem a forma humana como laboratório de refinamento, aperfeiçoamento e potencialização de energias. O ódio, a indiferença, a insensibilidade de Hitler, não são de Hitler, mas nossos. O que foram os grandes ditadores e assassinos além de nossa vontade manifestada? Colocamos o poder nas mãos dos outros e nos abstemos de opinar, agir. E mais do que isso: de aceitar. É tão difícil aceitar que este mundo, criado com tudo que chamamos de bem e mal, é fruto único de nossa criação?

Hitler só existiu porque nós o fizemos. A vontade de poder do povo, a sede de impôr suas diferenças e de fazer prevalecer suas regras, o ódio contido e louco para explodir: são esses os criadores de Hitler. A natureza não é tão má assim, nem tão boa. Ela simplesmente expressa os nossos desejos e necessidades. Quisemos criar Hitler para satisfazer nossas aspirações. Hitler nos ensinou sobre a forma que nos tratamos, relacionamos, respeitamos. Fomos nós que clamamos por Hitler, e o tivemos.

Da mesma forma Jesus, Buda, Krishna. O nosso carinho, respeito, companheirismo, fraternidade, espírito de igualdade, justiça, harmonia, criaram esses seres como símbolos, imagens visíveis do que somos e podemos ser. Jesus não é ninguém. Jesus não existe. Nós o criamos, nós o vemos, nós o estabelecemos como algo a ser visto, contemplado, seguido ou rejeitado. Jesus é tão somente um espaço-tempo que a natureza encontrou para expressar explicitamente nossa realidade dentro da dimensão que habitamos.

Assim, pois, como o assassino da menina. Seria ele alguém pior do que nós? Nem melhor, nem pior. Ele é nada mais nada menos do que nós mesmos. Vejamos bem quem somos sem nos identificarmos com essas cenas ou personagens. Estamos prontos para nos reconhecer, além do bem e do mal?

Mas se querem mesmo falar de assassinatos, culpas e punições, o assassino é aquele debilitado e desconectado que cometeu a crueldade de destruir uma vida inocente, ou os assassinos são aqueles indispostos a se mobilizar ou insinuar qualquer gesto em favor do amor, mas que na presença do ódio logo se mobilizam e se armam prontos para cometer crueldade ainda maior contra aquele a que chamam de cruel?

O que é mais cruel: matar uma menina inocente ou se fingir de inocente matando outro menino? Nenhum dos dois, obviamente. Ambos são cruéis. Olho por olho, dente por dente. Crueldade por crueldade, assassinato por assassinato. Se é essa a justiça dos homens, é essa a vida que escolheram ter. Mas onde reinar a justiça divina, a morte será divina, e a vida também.

Por que nos apegamos à morte da menina, se ela continua viva em nós? Por que queremos matar seu assassino, se ele continuará assassinando através de nós? Agora, pior do que se apegar ou querer matar, é continuar fechando os olhos para a luz que nos faz ver.


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