@palivre

sexta-feira, 17 de julho de 2009

divagando por aí #9


A REALIDADE ALÉM DAS MUDANÇAS
imagens de autor desconhecido



Farta manhã de sol permeada de tonalidades múltiplas. O som e o silêncio unidos num mesmo zumbido deleitoso. As partes se unindo ao corpo. A força do projeto humano de despertar o cósmico em si. É sim um grande tempo, amados irmãos e camaradas. Uma longa jornada em que os dias se vertem para percebermos o quanto estamos unidos. Processam-se grandes universos nos submundos não-humanos. Enquanto tudo que esperava ser humano, e imaginava ser humano, naturalmente se transforma em outras formas de ser.

Vemos os seres se abrindo ao diálogo, sorrisos sendo correspondidos, bons gestos e intenções por todos os lados. Vemos cada um trabalhando na exata altura de sua limitação e aperfeiçoando a ilimitação que a totalidade oferece. Estamos em boas mãos e bons tempos, como sempre, dignos de ser, de exemplificar em carne e matéria a realidade dos átomos. Momento em que a consciência se expressa numa rede amplificadora de nuances que não voltam mais atrás. Uma esfera de pensamento onde entra em jogo a própria maturidade da natureza enquanto suas mil formas de vida. Enquanto as mil formas em que a vida se expressa em suas mais variadas formas.

Eis um campo vasto, resplandecente de abundância e possibilidades, acessível a todos, sem discriminação. Os mensageiros do vento avisam transparentemente que o vento está chegando. Não há de vir, mas já chegou. O que chegará já está chegando. As coisas vão tomando forma aos poucos, e depois se desfazem. E cada vez isso se expressa com mais naturalidade. São menos complicações, menos lamentações, menos culpas, menos traumas. São menos abalos sísmicos nas estruturas da terra, menos mudanças catastróficas. São organizações mais flexíveis, e acima de tudo mais fluidas.

Vejamos bem a que ponto chegamos. Tudo que já conquistamos. Mesmo assim queremos mais. Não confundamos, pois, o mais com o melhor. Nem o que chamamos de nós, com o que somos. Eis um dilema qualitativo altamente proveitoso decorrente da prática existencial da natureza enquanto experiência máxima de expressão multiforme. O tempo de hoje supera os termos, os temas, os conceitos e as discórdias provocadas pelo desentendimento do dom palavra. Cada um acaba se encontrando mais cedo ou mais tarde com o contraste entre a beleza de se estar em silêncio na companhia de um semelhante e a artificialidade de uma conversa mantida sobre as bases da dessemelhança.

Mas todos são aprenderes, de aprendizes do aprendizado. Uma pirâmide dentro de uma pirâmide. Sem fingirmos que o absurdo não existe, mas simplesmente reconhecendo nossa devida estatura enquanto parte de um todo. É um tempo de elevados aprendizados para tudo que chamamos raça humana. Tempo de descobrimos na prática o que já teorizamos bastante e nos acostumamos a chamar de paz, amor e harmonia. Tempo de ser a sabedoria. Estamos reconhecendo parentescos mais duradouros do que os laços do que convencionamos chamar vida. Estamos reencontrando com a família mais verdadeira do que a que traços de sangue costumam nos mostrar. Afinal vinhemos, estamos e vamos para o mesmo lugar. Somos filhos de um mesmo pai e mãe.

Por mais que se possa dizer que não, olhando mais restritivamente, se enquadrando na relatividade, ou se atendo aos próprios passos e focando nos próprios pés, ou umbigo, não é bem assim. A realidade é maior. Basta um ligeiro olhar o horizonte para ver que sim. Não só vinhemos e vamos, como somos e estamos, no mesmo exato lugar, por mais que na superfície se faça diferente. Por mais que tudo esteja mudando porque sempre esteve. Por mais que não haja mais nada a esperar porque nada vai acontecer. Estamos aqui e agora todos juntos como sempre estivemos. Mas basta alguém olhar para alguém que está olhando o horizonte para esse alguém olhar também. E já serão dois fazendo uma coisa que desperta outra coisa pela mais brilhante natureza dessa coisa se modificar pela assimilação de novos padrões. A natureza de ser uma coisa que vem a ser outra por sua própria natureza transformadora.

E se um pára para olhar o horizonte e ver tudo mudando, na superfície, sem se deixar levar pela aparência, compreendendo noite e dia, e talvez descobrindo a fragilidade do mundo da impermanência, onde as coisas se fazem e desfazem, o outro talvez pare apenas para olhar aquele que está olhando e constatar a mudança na mudança do outro. São todas partes da compreensão da mudança. Que é inerente a toda forma de ser. Porque as formas são superficiais. No mundo de superfície as coisas precisam se transformar para acompanhar a mudança. Mas a mudança acontece apenas no terreno rasteiro de nossa compreensão. É lá onde o pensamento não alcança que existe uma realidade que podemos chamar de absoluto, eterno e infinito.

Basta um silêncio para notar a respiração respirando por si só. O que é aquilo que costumávamos chamar de eu enquanto éramos inconscientes da respiração? Houve um tempo em que respirávamos muito bem, mas não sabíamos pensar como sabemos hoje. Nesse tempo estávamos inteiramente presentes no corpo e a mente ainda estava se formando. Depois que a mente se formou e nos tornamos o que somos hoje, a consciência da respiração foi se perdendo, o ritmo se descompassando, o fluxo se desestabilizando, e gerando certa desarmonia, mas que deu pra ir levando.

Vejamos os frutos da desarmonia por todos os lados, os efeitos do desligamento dos padrões naturais por todas as partes, mas vejamos isso também dentro da lei da respiração, com calma e tranquilidade, com justiça e clareza na observação. No tempo da natureza as coisas acontecem de uma forma diferente da realidade em que estávamos tão identificados. Para chegar a alcançar o tempo do não-tempo, primeiro vamos nos deslocar do tempo humano para o tempo da natureza. E podemos fazer isso em casa ou no trabalho, no campo ou na cidade, desde que ambos sejam o mesmo lugar. Não pode haver diferenças para esse intercâmbio se realizar.

Mas tudo acontece gradualmente e naturalmente, e o que de fato está acontecendo é que cada vez vemos mais gente contemplando o horizonte como simples expressão do que somos. Antes atribuíam ao horizonte toda uma série de motivos e banalidades, mas hoje (e não estamos falando deste ano, mas de uma era muito longa) já podemos enxergá-lo como limite de nós mesmos. Já podemos vê-lo como nosso deslimite. E essa vitória está sendo contemplada por nós todos, não é uma particularidade de uma espécie que se possa denominar. Não é homem nem macaco, não é ave nem avião, não é avô nem árvore. Uma vitória coletiva, intergrupal, associativa, somatória, total. O fruto que vemos nascer ali na árvore não tem dono. Se tivesse dono, nem nascer ele poderia.


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