@palivre

sexta-feira, 10 de julho de 2009

conta outra #15


A VIDA MOSTRA
imagem de tim hawkinson



Estava eu na padaria, observando o bonito movimento de cada um a procura de seu devido lugar no espaço, enquanto aguardava o pão que havia pedido. A moça me trouxe o pão e perguntou se eu queria algo mais. Disse que 200, ou melhor, 250g de queijo bastavam. Ao qual ela respondeu com um aceno positivo de cabeça e foi buscar o queijo para fatiar.

Então pensei em falar para ela cortas fatias finas, para o queijo render mais. Então pensei que a gente tem uma certa dificuldade de lidar com pessoas dizendo como devemos fazer as coisas. E deixei pra lá, pra evitar que ela se sentisse mandada, ordenada, regrada, ou até mesmo orientada. Então ela olhou pra mim e disse: “A fatia com esta finura está bem para o senhor?”

Respondi que sim e fiquei ligeiramente impressionado com a rápida resolução que se deu pra situação, sem necessidade de qualquer verbalização. A simples cogitação do ideal bastou, e assim se fez como devia se fazer. Mas depois de observar estes fatos rapidamente, ocorreu que ela poderia fatiar mais que o necessário, por talvez não ter compreendido com exatidão o que eu falei. Dessa vez não pensei duas vezes e disse pra ela: “São 250, viu?”

Ela olhou pra mim, desligou a máquina, voltou a olhar e disse: “Tinha entendido 350.” Eu sorri, e fiquei feliz de não ter falado antes e ter falado agora. Ela, já com o queijo na balança, olhou pra mim sorridente e disse: “Olha! Certinho. 250g!” O que foi mais forte do que a experiência anterior, quando as fatias se afinaram via elos telepáticos. Dessa vez, foi o número exato do pedido e do realizado, simbolizando a justiça e o perfeito equilíbrio entre o aqui e o agora.

Não é que a moça acostumada a fatiar queijo sabia estar chegando ao peso pedido, nem que eu acostumado a pedir queijo soubesse que ela já tinha fatiado o suficiente. Apenas a conjuntura, motivada pela fluido das interações espontâneas, imerso na imensidão comunicativa da presença, bastou para que os fatos sucedessem. Mas não de qualquer forma, e sim na plenitude mais plena em que eles poderiam ocorrer.

Talvez porque estivéssemos ali sem querer nada um do outro. Talvez porque um e outro não eram tão significantes nesse caso. Talvez porque tanto ela quanto eu não tivéssemos tempo a perder. Ela, por estar temporariamente ocupada com o atendimento dos clientes. Eu, por simplesmente não ter tempo, tal qual a eternidade.

Como é que se perde alguma coisa que não se tem?


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