@palivre

sexta-feira, 17 de abril de 2009

quotidianus #2


CADÊ AS DUNAS QUE ESTAVAM AQUI?
imagens de lockstockb e chispita



Em época de fervorosos debates sobre aquecimento global, ecologia e sustentabilidade, lembremos da carta sem remetente com destino ao Grand Natal Golf. Uns dizem que pode ser antrax, eu, que sei que isso já saiu de moda há muito tempo, creio que seja apenas alguns milhões de toneladas de concreto. Quem abrir o envelope, por favor, me diga.

O fato é que campos de golf não são apenas famosos pelo consumo exorbitante de água para manter a grama em dia, mas também pelo uso permanente de pesticidas, altamente poluidores, diga-se de passagem, para afugentar todos os tipos de pragas. Com exceção dos investidores, é claro. Esse tipo de praga, pelo contrário, até que anda recebendo bons estímulos.

Maior que todos os municípios do Rio Grande do Norte, com exceção de Natal e mais outros seis, o audacioso projeto do Grand Natal Golf prevê um megaempreendimento imobiliário entre Pitangui e Jacumã, que vai movimentar cerca de 160 mil pessoas, entre moradores, visitantes, funcionários fixos e temporários. Quem passa próximo de onde o resort está sendo construído, se depara com a imagem do ator espanhol Antonio Banderas num outdoor, exibindo um sorriso falso e sem graça, acompanhado da logomarca do Grupo Sanchez. A propaganda, veiculando já há certo tempo, é um sinal de que as vendas começaram cedo, mesmo antes de algumas licenças ambientais básicas serem concedidas.

Mas Banderas, ou Tony Flags, como é carinhosamente chamado pelos amigos, não entrou na empreitada apenas por generosidade e altruísmo. Para levantar a bandeira da Sanchez era preciso algo mais, como amor, quer dizer, como ser um dos principais investidores e interessados no projeto. Ao lado de outra presença singularmente fenomenal: Ronaldo, o ex-craque da camisa número 9 da seleção canarinho, que num gesto de excessiva ingenuidade e boa vontade, se deixou levar pelo caráter beneficente da obra. Conforme divulgado no site do Natal Grand Golf, Ronaldo não conseguiu segurar sua bondade, “ao conhecer o enorme impacto social e econômico que a iniciativa empresarial terá na região, decidiu colaborar também com o projeto”.

O modesto resort, que ocupará uma área total de 22 milhões de metros quadrados, contará com mais de 30 mil residências, além de 8 complexos hoteleiros de luxo, 5 campos de golf, um heliporto, shoppings, supermercados, restaurantes, bares, quadras de tênis, spa, campos de futebol, e tudo mais que o capital especulativo estrangeiro imaginar. E como se não bastasse o impacto social, urbano e sanitário de uma obra dessas proporções, ainda vai ser construído sobre o aquífero das dunas do litoral norte. Mas não é só o aquífero, nem as dunas, nem as comunidades do entorno, nem as espécies nativas de animais e vegetais, nem o mangue, nem os afluentes do Potengi, nem os córregos subterrâneos que deságuam na praia. É tudo isso e muito mais.

Segundo um representante da Spel, Sociedade Potiguar de Empreendimentos Ltda, uma das empresas irresponsáveis pelo projeto, não há motivos para pânico, pois “o Grand Natal Golf sempre foi pautado pela responsabilidade socioambiental”. E apesar da área escolhida para construção do resort ser constituída predominantemente de dunas, ele assegura aos ambientalistas: “Não vai haver construção sobre as dunas.” E aos preocupados com os impactos sobre o ecossistema de Jacumã e Pitangui, e outras questões sem tanta importância, como o destino que será dado aos dejetos humanos (leia-se fezes e urina) produzidos ali, ele é otimista: ‘‘Se as casas lotarem, no máximo irão residir na região 70 mil pessoas.”

Não é preciso ser um perito em matemática para dimensionar a quantidade de excrementos gerada pela rotina sanitária desse número de pessoas, exercitando a naturalidade de suas necessidades fisiológicas fielmente sete dias por semana. Puxar a descarga e seguir em frente talvez não seja a solução. É fato que a questão ecológica está fedendo tanto quanto a social. E não levem a mal quem diz que qualquer sociedade sem responsabilidade ecológica não pode resolver problemas sociais.

Ecoalfabetização. Coleta seletiva. Redução da emissão de dejetos e poluentes. Ambientalistas na Semurb e Idema. Incentivo para projetos auto-sustentáveis e ecologicamente corretos. Despoluição das praias e rios, fundação de novos parques, ampliação das zonas de preservação. Criação de núcleos verdes nos bairros da cidade, para garantir a defesa dos interesses ambientais e ministrar cursos educativos para as comunidades. Incentivo fiscal para empresas limpas e que apóiam projetos em defesa da natureza. Instalação de painéis solares em habitações de comunidades carentes. Direito de vida garantido às áreas verdes remanescentes nas cidades.

Chegamos ao ponto de tratar iniciativas ecológicas e conscientes como utopia, e um resort com shoppings e campos de golfe sobre as dunas do litoral como realidade.


Um comentário:


Creative Commons License