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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

musinematura #2


DISTRAÍDOS VENCEREMOS : PAULO LEMINSKI



“Isso de querer / ser exatamente aquilo / que a gente é / ainda vai / nos levar além”. Intitulado “Incenso fosse música”, esse é um dos poemas que melhor representam o ideal transmitido pelos, quase nada convencionais, poemas de Distraídos Venceremos.

Já no título do livro, Paulo Leminski começa a brincadeira. Substituindo o “unidos” da expressão “unidos venceremos” por “distraídos”, o poeta paranaense desconstrói o sentido original da frase e a reapresenta ao leitor como uma nova idéia. Idéia fundamentada na certeza de que tudo vai dar certo, independente do que seja.

“Rio do mistério / que seria de mim / se me levassem a sério?” O poeta pergunta sem qualquer intenção de receber uma resposta. É a porta fechada na cara do mau-entendedor. Mas também uma janela sempre aberta para os admiradores da natureza. E assim se faz Leminski.

Por todo o livro o poeta despeja uma enxurrada de versos simples, cotidianescos, de fila de pão e de banco, de mesa de jantar e banco de praça. Mas como o dia não é só feito de sol, Leminski não é só feito de simplicidade. Em alguns momentos, ele se torna uma espécie de vanguardista erudito complexo, atravessando como um equilibrista refinado a corda que vai das tradições mais clássicas às novidades que só vão ser conhecidas na moda da próxima estação.

"Vim pelo caminho difícil, / a linha que nunca termina, / a linha bate na pedra, / a pedra quebra uma esquina, / mínima linha vazia, / a linha, uma vida inteira, / palavra, palavra minha."

Distraídos Venceremos é dividido em três capítulos. O primeiro leva o nome do livro, “Distraídos Venceremos”, e inclui grande parte dos poemas da edição, principalmente os metapoemas, ou seja, poemas em que a temática é o próprio poema. No segundo capítulo, “Ais ou menos”, Leminski apresenta versos de vida, espaço e tempo, falando sobre as coisas que sobrevoaram o ar dos seus dias, que se misturaram à poeira do chão de sua casa. Em “Kawa Cauim”, última seção do livro, o poeta apresenta uma série de haicais.

Os haicais são poemas curtos, de três versos, que seguem uma estética estruturada pela escola japonesa. Mas Leminski não se prendeu às regras e aos padrões do estilo haicaiano, e inventou sua própria forma de compor nessa estética.

Leminski teve uma vida curta e intensa, marcada pela atividade literária incessante, com criação de obras respeitadíssimas no universo poético, sendo admirado inclusive no exterior. Seu trabalho não se limitou à poesia, mas sim utilizou a poesia para alcançar destinos ainda mais distantes.

Foi também autor de contos, romances, ficções, resenhas, escreveu biografias de personalidades, traduziu livros, colaborou com revistas e jornais. Leminski foi professor de história, redação e judô. Também trabalhou durante muito tempo como publicitário. Além disso, realizou inúmeras parcerias musicais, compondo canções de sucesso com artistas como Caetano Veloso e Itamar Assumpção.

Distraídos Venceremos é um livro que retrata um grande momento da carreira de Leminski. Sua poesia está amadurecida e inteligente, sensível e liberta, atenta e dispersa, e, principalmente, viva. A força da vida, a vontade de superar, transpassar os limites, transcender as limitações, é a marca do trabalho poético leminskiano.

Na opinião de Leminski a poesia não tem que esclarecer coisas, ditar regras, sistematizar, mas sim dispersar, produzir novas possibilidades. Por aí você tira o espírito da coisa que alimenta Distraídos Venceremos. E não é que estamos vencendo mesmo.



"A poesia faz parte das coisas que não precisam de porque."


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