@palivre

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

conta outra #10


ESTRELA RÍTMICA AMARELA
imagem de autor desconhecido



É o seguinte. Na astrologia maia há 13 tons representando as forças galácticas da criação e 20 selos simbolizando as frequências solares. Cada combinação de tons e selos representa uma energia diferente. Cada energia formada pelas combinações é chamada de kin e tem uma manifestação específica. Kin é como uma chave, um signo, uma identidade cósmica. No total são 260 kins. Nós formamos a Nação do Arco-Íris.

O meu kin é o 140. Eu sou um Sol Planetário Amarelo*. Mas olha o que acontece: acabo de perceber que ela é do mesmo kin. Não do mesmo que eu, mas exatamente do mesmo kin que a minha ex-mulher, que até mês retrasado ainda era a minha mulher. A mulher que não sabia que era minha, mas que era a mulher da minha vida.

Encontrar uma mulher com o mesmo kin que minha ex-mulher é uma probabilidade muito remota. A chance de acontecer é uma em duzentos e sessenta. Ou não estou de posse de alguns outros dados que agregariam mais veracidade a essa matemática. Seu kin é 188. E seu nome é Estrela Rítmica Amarela.

A questão é: estou falando de unicidade. Estou compondo poemas. Cada pausa na minha vida é intervalo para um novo poema surgir. Estou vivendo como uma palavra, ou um texto, ou um poema mesmo. Estou me doando em linguagem, em significado, em verbo. Estou de verdade fazendo isso. Não sei bem porque nem como, mas faz todo sentido pra mim.

Ela filosofa de lá, eu de cá, e permitimos mutuamente o encontro desses mundos. Tem sido uma ótima matéria-prima para construção de cenários, pintura de quadros, títulos de poemas. Tudo se trata de entender o que estamos falando, o artefato que manuseamos, como fazemos o que fazemos. É justamente aí que reside a disponibilidade, o envolvimento, a conexão, o interesse. Tudo na base da afinidade.

Eu falava de unicidade. Não à toa. Mas como uma boa representação do que a gente não consegue ver que somos na realidade. Sei que ela não passa de um eu disfarçado. Sei que eu e ela estamos dialogando em nome de nós mesmos. Sei que esse egoísmo não é tão egoísta assim, e que nem esse altruísmo é tão altruísta. Mas no meio disso tudo, mais um sei? Não sei. As coisas são intrigantes, confusas, enganadoras por demais. Porém estimulantes, com certeza.

Pensar numa Estrela Rítmica Amarela na vida de um Sol Planetário Amarelo é olhar para a existência de uma ótica incontestavelmente mais ampla do que a exigida para visualizar os desdobramentos de Tiago & Elena ou Tiago & Eloísa. A estrela é uma representação de mim. Ex é uma palavra. Mulher é outra. Minha mulher é um apenas um código, significa pessoa do sexo oposto muito próxima a mim, a ponto de ser a manifestação que reproduz com mais exatidão meu eu em forma de outro. Estou apenas me referindo.

Ela é uma pessoa que encontrei há certo tempo e que há certo tempo continuo encontrando. Como duas pessoas que fazem o mesmo caminho. Um sol e uma estrela. O que eu estava tentando falar é que há algo além de Tiago. Esse algo além é exatamente o que dá sentido às coisas.

Talvez não esteja conseguindo me fazer claro. Que dilema para um sol. Mas vamos esclarecer. Estou dizendo que certo ser, regido sob certa força e originado de certo ponto, vem traçando certa trajetória. Estou dizendo que esse ser sou eu. Enquanto outros seres, originados de outros pontos, traçando outras trajetórias, estão cruzando pontos e trajetórias comigo.

Dentro das trajetórias que venho traçando, desde o ponto em que me originei, cheguei a um agora onde me encontro na classificação de sol. Classificação herdada da astrologia maia, mas sustentada por algo que transcende a própria classificação. Algo que fundamenta e dá sentido à coisa a que a classificação remete.

Essa coisa que existe antes da classificação é um padrão, uma marca, uma forma de agir, de se manifestar, um modo de se expressar. Dentro dessa expressão que sou, que me particulariza, diferencia e determina minhas idiossincrasias, há outra expressão, simbolizada pela estrela. Estrela que de uns anos pra cá vem iluminando com mais força o meu caminho.

Essa outra expressão seria uma complementação. Como o ying do yang ou o macho da fêmea. A estrela. É ela que tem se mostrado intensamente como essa minha outra expressão. Minha polaridade feminina. A parte que me toca. A toca em que me escondo.

Mas voltando. Abaixo desse nível onde as coisas são a essência do que representam. É onde estamos conversando agora. Neste lugar essas essências recebem nomes que diferenciam muito. Talvez até demais da conta. Pois os nomes não deveriam separar, mas sim unir os seres que eles nominam.

Tiago, antes de Eloísa & Elena, é sol. E Elena & Eloísa, antes de Tiago, são estrelas. O sol e as estrelas têm uma história muito mais longa. As estrelas e o sol são apenas reflexos ou chispas de um brilho que inicia num universo maior. Onde eles mesmos já não são por opção e se confundem por inevitabilidade.

Porque o que sustenta esses astros é luz. E o que irradia essa luz é a mesma energia. O princípio é unicidade. O fim é universalidade.


* Todos os personagens deste conto são ilusórios, fictícios e fantasiosos. Como a própria definição da palavra esclarece, personagem é o papel que um ator ou atriz representa numa peça teatral, filme ou qualquer elucubração artística. Esta é uma obra de ficção. Os fatos narrados aqui não reproduzem a realidade em nenhuma letra. Qualquer semelhança é mera coincidência.


3 comentários:

  1. Que legal...tb sou kin 140 e estou pesquisando uma filósofa que fala de viver como palavra, da musicalidade da existência, muito curioso...

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