@palivre

terça-feira, 2 de setembro de 2008

conta outra #7


O SUJEITO AINDA ESTÁ ANTES DO PREDICADO
imagem de autor desconhecido



Acho que acabo de fazer uma das coisas mais inteligentes ou idiotas de minha vida: recusar uma proposta de três mil e algo por mês em uma das maiores agências de propaganda do nordeste brasileiro. A oferta era para um emprego temporário, não parecia ser nada demais: o velho nove às dezenove de segunda a sexta com horinha de almoço, trabalho de sobra, coisa e tal. O destino era o núcleo de varejo dessa grande agência, onde eu ia ocupar a vaga de redator que o redator deles deixou desocupada para aproveitar uma fatia da campanha política deste ano.

O que mais me estranhou no episódio foi que em nenhum momento sequer eu esbocei qualquer reação de interesse real pela proposta que recebi. Não vou negar que o valor do salário me balançou. Na minha curta carreira de publicitário não tive a oportunidade de receber proposta parecida. A casa dos três por mês até agora era nova pra mim. Tirando o brilho que parecia brotar desse monte de dinheiro visto junto no bolso da minha imaginação, nada aí me despertou curiosidade.

Realmente não sei se por inteligência ou idiotice, bom senso ou preguiça, tudo que me passa pela cabeça no momento diz respeito a me agradar. Excesso de egoísmo, talvez. Coletivo de possibilidades que não vêm ao caso nesse caso. O fato é que me abstive, recusei, neguei uma coisa que qualquer publicitário em sã consciência aceitaria, pelo bem da sua carreira, pela vida de seu portifólio, pela segurança do seu futuro profissional.

Mas parando pra analisar logicamente, até que faz sentido. Uma coisa que qualquer publicitário aceitaria é bem diferente de uma coisa que alguém que não é um publicitário qualquer, ou que é algo além de um publicitário, aceitaria. Uma coisa que um publicitário em sã consciência aceitaria sem pensar, sendo sanidade dentro dessa sociedade completamente insana justamente o oposto, ou seja, insanidade, não é coisa para alguém buscando ser algo além de um publicitário, um ser buscando ser consciente dentro de uma sociedade doente. Argumento justificado na própria sanidade do ser que encontra cura e fundamento além dos territórios dela.

Fica difícil saber daqui se o futuro me agradece ou condena pela minha decisão. Quanto ao presente, sem dúvida alguma com ele está tudo em ordem. Nada aqui saiu do lugar. Nenhum objeto foi tocado ou trocado de posição. O sujeito ainda está antes do predicado.

Uns dizem siga a intuição, outros falam em razão. Parece mais justo levar ambos em consideração. Minha ambição não me levou ao dinheiro, talvez me reserve um outro lugar. Inteligente ou idiota é a pergunta que não quer calar.

Pelo menos um texto idiota no lugar de cem anúncios inteligentes. Ou seria um texto inteligente no lugar de cem anúncios idiotas?


2 comentários:


Creative Commons License